Seguradora não é obrigada a cobrir atos de insider trading

Por Adriana Aguiar para o Valor.com.br

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão inédita, julgou que o seguro de responsabilidade civil para diretores e administradores de empresas conhecido como D&O não cobre defesas e punições, por exemplo, relativas à prática de insider trading (negociação de ações com informações privilegiadas).

Em julgamento da 3ª Turma, os ministros negaram recurso de um segurado contra a ACE Seguradora, atual Chubb Seguros. O segurado é administrador da Triunfo Participações e Investimentos , empresa de infraestrutura, investigado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por suspeita de negociar ações da companhia com informações não divulgadas no mercado e que tiveram impacto nas cotações dos papéis.

O administrador havia solicitado à seguradora o pagamento de indenização para promover sua defesa perante a CVM ou fechar acordo com a autarquia o que ocorreu em 2013.

Segundo o relator, ministro Ricardo Vilas Bôas Cueva, "atos de favorecimento pessoal, a exemplo do insider trading, não estão abrangidos pela garantia securitária". Para ele, o objetivo do seguro D&O é proteger diretores, administradores e conselheiros do risco de eventuais prejuízos causados por atos de gestão. A ideia é preservar não só o patrimônio pessoal dos que estão em cargos de gestão, mas o patrimônio social da empresa, tomadora do seguro e seus acionistas.

A apólice, de acordo com Cueva, não pode cobrir atos dolosos, principalmente para favorecer o próprio administrador. Atos fraudulentos lesivos à companhia e ao mercado de capitais, como o insider trading não estariam abrangidos pelo seguro.

Além de definir que a prática não estaria coberta pela apólice, os ministros entenderam ter ocorrido a perda de direito à cobertura por omissão de informação relevante no preenchimento de questionário de risco para renovação em 2009. Isso porque, segundo o processo, o segurado e outros administradores da empresa já tinham ciência das investigações da CVM na contratação do seguro. Ao não informar à seguradora esses fatos há a sanção de perda de cobertura, como estabelece o artigo 766, caput, do Código Civil.

Para o advogado da Chubb Seguros, Pedro Guilherme de Souza, sócio do SABZ Advogados, a decisão encerra o que chamou de "zona cinzenta" entre atos de gestão e atos realizados no interesse pessoal de administradores. "Ato de gestão é aquele praticado pela pessoa do administrador como órgão da sociedade, no interesse desta. Para estes há cobertura, mas não para aqueles envolvendo interesse pessoal do administrador", diz.

Souza destaca, ainda, que o reconhecimento da perda de cobertura por omissão de informação reforça a importância da gestão da apólice pelos segurados. "Em casos mais sofisticados como o D&O, o contrato possui uma governança complexa."

No processo, a defesa do administrador alega que não houve comprovação de atitude intencional e, sobretudo, a máfé do segurado e do beneficiário. Segundo a defesa, o ônus da prova seria da seguradora, como prevê o Código de Defesa do Consumidor.

De acordo com os advogados, no processo, a companhia segurada e o beneficiário, no máximo foram negligentes e jamais agiram com dolo que pudesse isentar a seguradora de responsabilidades contratuais. Segundo o processo, a apólice estava sendo renovada pelo terceiro ano consecutivo e a suposta omissão ocorreu em 2009.

O advogado Felipe Calil, do Trench Rossi Watanabe, especialista em seguros, afirma que a decisão está alinhada com a atual prática do mercado brasileiro de restringir indenizações em casos que envolvam corrupção ou atos escusos, em decorrência das operações de investigação em curso no Brasil. "Muitas apólices atuais têm a exclusão expressa de cobertura com relação às investigações que envolvem a LavaJato", afirma.

A restrição se dá pelo aumento no número de pedidos de indenização em consequência dessas operações, segundo o advogado. Para ele, a cobertura dos seguros tem sido mais focada em atos regulares de gestão, dentro dos limites da lei.

No ano passado, segundo Calil, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), em regulamento específico para o seguro D&O, também limitou as coberturas para atos ilícitos.

Ainda assim, conforme o advogado, o seguro compensa para as companhias, pois muitos administradores o exigem como forma de segurança para que não sejam responsabilizados individualmente por atos de gestão.

Procurado pelo Valor, o advogado do administrador preferiu não se manifestar. Já a Triunfo informou que, por não ser parte da ação, não iria comentar a decisão.

Renato Butzer